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Uma questão preocupa a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): o grande número de profissionais e estudantes em um mercado que passou a encolher nos últimos anos, principalmente com o uso da tecnologia.

Felipe Santa Cruz: “Qualquer um sabe que em cinco anos esse mercado não vai conseguir absorver todo mundo” — Foto: Silvia Costanti

O número de advogados rompeu a barreira do um milhão e há quase a mesma quantidade de universitários em todo o país. Apesar de haver um importante filtro — o exame da OAB –, a expectativa é de que o mercado esteja saturado em um curto espaço de tempo.

“Qualquer um sabe que em cinco anos esse mercado não vai conseguir absorver todo mundo”, afirma o presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz. Além do elevado número de cursos de direito, há dois motivos para essa previsão. Um deles são os concursos públicos, que sempre acolheram grande número de profissionais. Mas, desde a crise econômica, estão em queda na maior parte dos Estados, municípios e União.

Em outra ponta, a nova realidade tecnológica tem sido responsável por substituir inúmeras funções antes exercidas por advogados. “Com o processo eletrônico na Justiça, não é mais necessário que alguém faça a carga do processo ou o acompanhe no balcão do fórum”, exemplifica Santa Cruz.

Hoje são 1,16 milhão de profissionais inscritos na OAB, o dobro do número de médicos no país – 474,23 mil, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM). O Brasil tem em média um advogado para cada 174 habitantes, densidade superior à dos Estados Unidos, cuja proporção é de um para cada 246 pessoas, segundo a Ordem.

Apesar da ausência de pesquisas oficiais, o Brasil aparece entre os países que mais oferecem cursos de direito no mundo. Até agosto, havia 1.635 faculdades e 315.204 vagas disponibilizadas, de acordo com a OAB. Até o mesmo período, 121 cursos haviam sido autorizados pelo Ministério da Educação (MEC), com potencial de abrir 14.891 vagas.

Os dados preocupam estudiosos e entidades de classe, pois além dos profissionais ativos, há um número gigantesco de formandos que chega ao mercado anualmente. O último censo divulgado pelo MEC indica que em 2017 existiam 879.234 matriculados em cursos de direito – do primeiro ao quinto ano. Naquele ano, 113.864 estudantes concluíram o curso. Outra informação que causa apreensão é a quantidade de bacharéis reprovados no exame da Ordem, cuja média é de 75%.

Os profissionais ainda enfrentam um mercado que investe cada vez mais em tecnologia. Renato Cury, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), lembra que hoje muitos escritórios em busca de maior eficiência já aderiam ao uso de robôs para funções repetitivas, principalmente os que trabalham com o chamado contencioso de massa.

“A automatização suprimiu parte das atividades burocráticas que eram feitas por paralegais e advogados”, acrescenta Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP.

Carlos Fernando Siqueira Castro, CEO do Siqueira Castro Advogados, escritório presente em 18 Estados e com 500 mil processos no país, diz que o número de advogados da banca hoje é menor do que há dez anos. No entanto, o volume de processos é o dobro. Isso se deve, segundo ele, aos investimentos em tecnologia.

O Siqueira Castro possui 50 funcionários na área de tecnologia da informação, dos quais cinco se dedicam à produção de novos programas. A banca conta com 200 robôs que controlam atividades específicas. “Fazemos muito mais hoje com menos pessoas, afirma o advogado. “É um caminho sem volta, uma nova fronteira que busca a eficiência pela automação.”

O presidente da OAB lembra do passado e da figura do advogado que não precisava escrever, uma espécie de despachante de “alto nível”, pago para resolver os problemas da burocracia do Estado. Hoje, de acordo com ele, é preciso ser empreendedor, pois há menos postos de trabalho.

Para Santa Cruz, a nova advocacia precisa de mais formação em conciliação, arbitragem e áreas mais específicas, como tecnologia, moda, saúde, saneamento, direito financeiro e compliance, por exemplo. A opinião é compartilhada por Renato Cury, para quem o profissional do presente e futuro precisará de um grau de sofisticação maior, ser especializado, se quiser ser visto e sobreviver nesse mercado, hoje saturado.

Oscar Vilhena, da FGV, enxerga três tipos de profissionais que sobreviverão à nova realidade. O primeiro é o que chama de arquiteto do direito. O profissional apto a criar saídas para negócios inovadores e a solucionar questões jurídicas complexas.

O segundo seria o tecnológico. Aquele que, em conjunto com equipes de outras áreas, como engenheiros e matemáticos, encontra respostas jurídicas no campo tecnológico. E por último cita o artesão. “É aquele que lida com problemas individuais”, diz. “Seria o criminalista ou o advogado de família, que lida com os conflitos que sempre existirão.”

A gerente de recrutamento da Robert Half, Maria Eduarda Silveira, afirma que o mercado jurídico está cada vez mais competitivo. Segundo ela, investimento em uma pós-graduação é válido, mas não é o suficiente.

“A empresa que contrata busca um advogado com capacidade de colaborar para aumentar os resultados do negócio”, diz. Ela acrescenta que, para se destacar, é preciso ter uma visão de negócio, o que há alguns anos não era necessário.

Um dos problemas da profissão, segundo especialistas, é que nem todas as mais de mil escolas de direito presentes no Brasil estão aptas a preparar profissionais para a nova realidade. “Muitas jogam no mercado profissionais de baixa qualificação, que não conseguem sequer passar na OAB”, diz Renato Cury. “Há um estelionato educacional. Um problema na base.”

O pesquisador e professor da FGV Direito-SP e do Mackenzie, Thiago Santos Acca, avalia que nos últimos anos o mercado passou a ter grandes conglomerados que levaram a uma pasteurização do ensino. “O vestibular não é mais efetivo. Há alunos que entram na faculdade com baixa formação, casos de analfabetismo funcional. Tudo isso aponta para um futuro pouco promissor”, afirma.

Futuro que a OAB tenta alterar. Em agosto, encaminhou ofício ao MEC em que manifesta preocupação com o número elevado de cursos de direito. Segundo o documento, entre 2005 a 2011 foram criados 324. Já de 2011 até o momento, 472. Fato que, na opinião da entidade, “ratificaria a ausência de critérios adequados à criação dos cursos”. (do Valor Econômico)

Fonte: Valor Globo

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